sexta-feira, 28 de julho de 2006

Fátima Letícia, uma filha de todos nós

Uma das preocupações ao dar o nome a uma criança é que ela se não confunda facilmente no meio de todas as outras. Mesmo assim não resistimos às modas. De vez em quanto lá vem uma reboada de Marcos, de Valérios ou de Gertrudes.
Com o casamento dos pré-entronizados Reis da nossa vizinha Espanha, a futura “Rainha com sorte” viu o seu nome reproduzido por tudo quanto era sítio. O seu nome tem aquele ar sublime e distinto que faz ultrapassar fronteiras e serranias.
À leveza da realeza alia a solidez da entronização. A monarquia tem o seu esplendor lá fora e, mesmo que não tivesse, é sempre motivo da atenção das televisões e das revistas mexericas, se não for por actos positivos, pelos desregramentos de que o povo também gosta.
Muitos considerarão a ideia pindérica, pretensiosa e abusiva. Porque aqui trata-se de uma plebeia, é certo, mas que já é uma candidata a Rainha a sério. Se o seu sangue não é azul, a esta hora já está assim colorido. Ela é branca e nota-se bem nas veias.
Uma Rainha plebeia até é mais selectiva e apropriada. Quando se escolhe num maior número, e não só na nobreza, há mais hipóteses de acertar. O povo adora-as mais e adorna-as com um conto de fadas. São Rainhas Encantadas.
Quando se dá um nome a uma criança quer-se que ela tenha a sorte de quem assim a apadrinhou. A Letícia é a Rainha dos sonhos de muita gente, porque teve a sorte de encontrar o seu Príncipe Encantado. Também nós queremos que a sorte acompanhe os nossos filhos e o sonho se realize.
Depois da alegria do nascimento vem a alegria de encontrar um nome à altura dos nossos filhos. E este é bem adequado. O que nós não curamos é de pensar no que é necessário fazer para que os nossos filhos estejam à altura dum nome assim atribuído.
O sonho tem o seu lugar e ocasião. A realidade é mais permanente e chega-nos dura e às vezes abominável. Até à concretização do sonho muito temos de fazer para que ela seja possível. A sorte, só por si, não chega.
O pior é se o sonho se vai esvanecendo. Não é por culpa de eventuais defeitos porque no geral nós não os vemos. Então só pode ser por nossa culpa. Se o espírito amolece e se desleixa, nós deixamos de ver a beleza.
São muitas as forças que no universo se contradizem. Além das forças que nos impulsionam para desfrutar a harmonia, há outras que dificilmente controlamos, que são bem insidiosas e nos remetem para o abismo.
Quando damos aos nossos filhos um nome que associamos ao sucesso, sabemos que ninguém está previamente eleito para ter sorte. E sabemos que da sorte o parceiro indissociável é o azar.
Por estas razões não devíamos associar os nossos afectos à sorte ou ao azar. Os primeiros afectos criam-se como resultado da necessidade. Mas a nossa inteligência deve caminhar no sentido de os compreender e controlar. De os utilizar para preservar a nossa harmonia interior.
Devíamos reservar os afectos para aqueles com quem construímos o futuro. Para os que nos dão ânimo para continuar. Mas também nós nos devíamos preparar para corresponder, para animar os outros à nossa maneira. Tudo devíamos fazer para que em nós se não criem desafectos.
Quando confiamos à sorte o nosso futuro, os afectos e desafectos baralham-se no nosso espírito. E facilmente os nossos desafectos suplantam os afectos e as vítimas não são quem seria pressuposto que fosse, mas quem mais perto de nós se encontra.
A violência sobre as crianças vem-no demonstrando. Elas são as primeiras vítimas de todos os desarranjos e desinteligências que ocorrem nos nossos espíritos. É o nosso relacionamento connosco próprios e com os outros que está em causa.
Num Tribunal de Coimbra está a ser decidida a sorte da Fátima Letícia. A sorte de um ser indefeso, violentado e maltratado. Dificilmente ela encontrará a harmonia à sua volta. A harmonia a que tinha direito e lhe foi sonegada à nascença.
Infelizmente outras “Letícias” se seguirão. E o seu nome se perderá na vastidão do universo. Porque estamos sempre à espera de resolver as questões graves com paliativos. Porque uma cultura de desresponsabilização se instalou. Porque o desleixo tomou conta de espíritos cada vez mais egoístas.
Tivemos décadas em que deambulamos entre a maior candura e a maior agressividade. Em que tratávamos as pessoas com mel ou com chicote. Em que resvalamos depressa da compostura à maior rudeza.
Se estas atitudes não correspondiam às exigências da convivência social, antes agravavam as fracturas sociais, o tratamento destas questões com panos quentes, sem outros remédios que não umas mezinhas, nada resolve.
Os factos resultantes do que se passa no mais íntimo dos seres não se solucionam por si.

sexta-feira, 14 de julho de 2006

Bravo! Bravo! Bravo!... Três vezes Bravo!

Os nossos interesses não são globais. Repartem-se, não digo equitativamente, porque sempre há quem ligue mais ou menos ao futebol, mais ou menos à política, mais ou menos à jardinagem, por alguns assuntos a que damos mais importância.
Mas há fenómenos hoje universais, de que todos nos apercebemos e sobre os quais todos acabamos por ter opinião. A pressão, e não estou a dizer isto pejorativamente, leva-nos a todos a tomar uma posição.
O futebol está nesta categoria há muito tempo, constituindo já, pela sua independência em relação a outros temas que se poderiam entender como correlativos, um mundo que sobrevive por si, com as suas disputas, regras e contradições.
Por isso não vem mal ao mundo se nós, que até lhe damos uma importância relativa, vivermos também desde o início, com empenho e alegria, esta contenda que dá pelo nome de Campeonato Mundial de Futebol.
Podemos divergir no que está em jogo, acreditar mais ou menos nas virtudes de uns e de outros, mas, fundamentalmente, no que temos de convir, é que há algo mais para além da junção mecânica de umas tantas peças, do burilar de alguns aspectos técnicos, da harmonia do corpo com o espírito.
Uma vontade colectiva não é um simples somatório de vontades. Ou, por outras palavras, a vontade colectiva não se alcança sem que em cada um se não alicerce a vontade de dar uma boa parte de si.
Depois é que vem a capacidade, mas esta avalia-se antes, ao escolher aqueles que vão integrar uma equipa, com os dados de que se possa dispor, incluindo a disponibilidade e abnegação de que se possa usufruir.
O leigo começa pelo aspecto abstracto da capacidade técnica. E além de poder estar a avaliar mal, o que é natural, não está dentro das condicionantes psicológicas e outras que farão ou não dos indivíduos uma peça bem inserida nesse mecanismo, que é o essencial de uma equipa.
O que nós não podemos acreditar é nos mecanismos da sorte. A chamada a uma equipa de selecção não é uma sorte. O resultado de um jogo não pode ser antecipadamente visto como podendo advir da sorte.
Só o trabalho duro, persistente, conjuntivo pode alcançar os objectivos grandiosos e glorificadores que a nossa equipa vem alcançando. Só do esforço físico, mental e emocional acrescentado por cada um é que pode derivar um resultado conveniente.
E é isso que nós vemos e nos faz aderir com vontade e entusiasmo neste admirável apoio que à volta da selecção se manifestou. Subitamente todos, mesmo aqueles que farão um maior esforço para esquecer os seus altos proventos, se aperceberam que eles merecem que a eles nos juntemos.
A onda é tão avassaladora que mesmo aqueles que continuamente põem reservas a esta ou àquela escolha, a esta ou àquela opção táctica, são arrastados para usufruir da frescura e da sensação de liberdade que esta onda nos dá.
A nossa opinião sobre o futebol já não conta. O interesse por ele parece que já vem de sempre. A sintonia é suficiente para que os acordes menos conseguidos sejam desculpados.
Sim, o futebol não é um mecanismo cego e inorgânico. O futebol é vivo, jogado por pessoas com diferentes características e que têm emoções e sentimentos, cujo “controle” é fulcral para atingir objectivos.
Não é o momento adequado para nos preocuparmos com isso, com o inadequado linguarejar dos aprendizes de feiticeiro. É “momento de festejar o alcance dos objectivos cuja satisfação foi obtida e de dizer: Bravo nossos amigos!

O processo de socialização

O processo de socialização é hoje promovido essencialmente pelo Estado. Tem ainda a colaboração de outras instituições que lhe são mais ou menos independentes. Mas também tem a participação de grupos formais e informais e da família.
Há uma ideia generalizada que o Estado tem um papel imprescindível neste processo. A família carece de tempo disponível, os grupos de credibilidade e abrangência e as outras instituições tiveram resultados desastrosos.
A entrega deste processo a credos religiosos, a partidos políticos, a estruturas monolíticas e dogmáticas deu origem a exageros e desvios. O que hoje acontece, como reacção a esta situação, é a sua deposição nas mãos do Estado.
Efectivamente o Estado tem ou pode assumir muitas das características que lhe permitem ser o principal mentor do processo de socialização. Mas como organização humana que é está longe da qualquer pretensa perfeição.
O Estado moderno, laico e democrático, como o conhecemos, existe e com intermitências há somente cerca de dois séculos e vai permitindo articular satisfatoriamente a relação do homem com os seus semelhantes individuais, com os grupos e com a humanidade, mas só desde que todos partilhem os mesmos valores básicos.
É da natureza deste Estado não ter uma consistência monolítica, permitir uma contínua adaptação às novas condições que se vão criando, ir absorvendo grupos de origem civilizacional diversa e somente procurar um corpo de princípios que possam ser solidamente estruturados mas que mantenham também alguma flexibilidade.
Quando ocorre, a nível das instituições do Estado, qualquer alteração repentina na sua estrutura, nos seus princípios orientadores ou na sua importância relativa quebra-se o precário equilíbrio e originam-se roturas e percalços.
Mas nada é particularmente grave se as instituições que giram à volta do Estado e que legitimamente tentam aumentar a sua influência relativa, se orientarem pelos melhores princípios, com espírito de tolerância.
Diferente é se estruturas dogmáticas se apoderam do poder temporal e se confundem com o Estado, aumentaram a sua influência mas perderam o seu carácter moral e rapidamente se envolveram em conflituosidade estéril, na defesa de princípios que foram sendo ultrapassados pela realidade.
Depois há o efeito corrosivo do poder que se exerce sobre as pessoas, mas o que é bem pior, sobre a precária solidez dos princípios, única razão de ser da temporária preponderância daquelas estruturas na organização do Estado, o que determina a sua caducidade.
Sempre existirão tentativas para impor visões unilaterais e pouco consistentes. Ao sabermos quem é quem na formulação da orientação do Estado também contribuímos para que este assuma mais directamente as suas responsabilidades. O Estado não as pode alijar.
Numa transacção de conceitos e convicções, em que nada é particularmente sólido, afloram velhas culturas, por vezes manifestam-se velhos hábitos sob as formas mais perversas. A perda de influência das antigas estruturas desfaz o verniz aculturado que entretanto se havia criado.
Antes de uma adesão aos novos princípios cria-se uma vazio que, muitas vezes, com aquilo que se rejeita, faz submergir também alguns princípios básicos essências à convivência pacifica.
Com a socialização formal que as estruturas responsáveis promovem, coexiste sempre uma socialização informal, com múltiplas proveniências. Desenvolve-se uma cultura rebelde ao institucional que mesmo os regimes mais repressivos nunca conseguiram abafar.
O “naturalismo”, que não é mais que a cultura mais antiga e mais enraizada, opõem-se quanto pode a qualquer artificialismo que, com a roupagem de novo, se queira impor.
Estes processos são em grande parte surdos, desenrolam-se fora das vistas dos defensores do templo. A prevalência de um destes processos sobre o outro que se desenvolva em paralelo depende em larga escala do grau de satisfação que cada um pode proporcionar em bens sociais.
Uma análise linear levaria a pensar que com o desenvolvimento se obteria cada vez mais satisfação e portanto uma socialização mais perfeita e pacífica. O problema é que o desenvolvimento traz uma diferenciação cada vez maior, traz insatisfação ainda.
A verdade é que com aparente convivência pacífica, com indiferenciação de comportamentos, com desenvolvimento, casos extremos de dificuldade de socialização resultam mesmo em exclusão e na formação de universos estanques que reciprocamente se repelem.

sexta-feira, 7 de julho de 2006

Este governo tem alguns salafrários ….Mas eu gosto desta ministra da Educação

A Assembleia Municipal de Ponde de Lima aprovou com 7 votos contra, 9 abstenções e bastantes ausências estratégicas a Carta Educativa do Concelho de Ponte de Lima.
O Presidente da Câmara de Ponte de Lima fez uma adesão clara à política educativa do governo, já que ela corresponde a uma transferência significativa de poderes para as autarquias locais.
Sinceramente fiquei sem saber se era só por isso ou se havia um sincero interesse em contribuir para o futuro deste País. Acho que o peso desta responsabilidade ainda não está devidamente avaliado por muitos autarcas.
E a responsabilidade é muita, principalmente nos concelhos como o nosso que mais etapas têm que vencer para, pelo menos, chegar ao pelotão intermédio desta corrida assaz difícil e cheia de obstáculos.
Como todas as transformações, esta também é dolorosa porque mexe com os interesses mais localizados, ditos de capela, representados essencialmente pelos presidentes de junta, e por alguns dinossauros políticos.
Foi daqueles que mais oposição se manifestou em relação a esta Carta Educativa, essencial, pelo menos para aquele mínimo de programação exigível. Mas a realidade é que ninguém gosta de perder o pouco que ainda tem.
Ficamos porém sem saber se a orientação do Executivo Camarário é no sentido de manter uma direcção certa e que reproduza em todo o concelho o modelo que, ainda que melhorado, pode ser representado pelo Centro Educativo da Ribeira.
Digamos que o poder central transfere alguns dos seus poderes sobre um sector tão vital para o País no pressuposto que as autarquias locais colaboram numa reestruturação da rede escolar que há muito se impunha.
Reestruturação que andou afastada das prioridades nacionais ou então levou tempo de mais a ser estudada, no sentido de definir os parâmetros que pudessem balizar as mudanças a operar no todo nacional.
Reconheçamos que as autarquias locais foram mais céleres, mesmo sem corresponder aos prazos previstos na Lei. Em três anos estão a ser genericamente aprovadas as Cartas Educativas por todo o País.
O que nós não sabemos é se alguns autarcas não vão tentar por todos os meios contornar a lei, torpedear as orientações definidas pelo governo, submeter-se aos poderes das capelinhas.
No caso de Ponte de Lima ficamos sem saber se vai haver cedência a interesses instalados e a vaidades superficiais. Nós queríamos uma Carta Educativa mais clara, mais ambiciosa, que não admitisse retrocessos.
Muita coisa ficou por decidir. Claro que há problemas com a disponibilidade de terrenos, mas tão só essas. Tudo o mais é relativo e as crianças merecem tudo de nós.
É fácil dizer que se deve acreditar no bom senso, mas mais seguro era que orientações mais precisas ficassem definidas para servir de guia às acções a empreender no futuro.
Realçamos desde já o entusiasmo que esta política educativa do governo está a gerar, até em sectores de que se não esperaria tanto, e em particular na Câmara de Ponte de Lima, incluindo nos dois partidos da oposição.
Para que o Sr. Presidente da Câmara tivesse dito que este governo tem alguns salafrários mas que gosta da Ministra da Educação, afirmação grave e perfeitamente gratuita, só se quer falar em sentido figurado, como agora se ouve dizer, para dar mais realce ao seu amor por esta arrojada Ministra.
E já que estamos a falar em termos figurativos não será de mais perguntar se o belo para se afirmar precisa de ser realçado à custa do menos belo. Nós vemos que até o grotesco sobrevive por si.
O pior que pode acontecer é querermos os rostos, as personalidades, as pessoas todas definidas pela mesma forma, ao critério de um qualquer iluminado. Sempre seria melhor nós não definirmos as coisas numa lógica de exclusão.
O Senhor Campelo, enquanto Presidente da Câmara de Ponte de Lima vale o que vale o seu Executivo Camarário e este tanto quanto vale o mesmo Senhor. Estarmos aqui a descobrir salafrários no seu Executivo é contrário à ética da responsabilidade política.
Que aconteceria se nós começássemos a utilizar esta linguagem. Vamos tentar julgar as outras pessoas pelas suas atitudes, pelas suas acções, pelas suas omissões, porque estamos no nosso direito mas usemos termos contundentes, “agressivos” mas sem cair no fácil e no “popularucho”.
Há sempre um ponto de viragem no caminho daqueles que escolhem a aleivosia.